domingo, março 05, 2006

«…pensou que afinal ainda não tinham falado sobre nada importante, e ele percebeu que afinal não tinha também muita vontade de o fazer, de discutir fosse o que fosse, de ouvir coisa alguma, uma vez mais apenas o desejo sereno de assistir sem o compromisso de participar, sem a inevitável dor de fazer parte, estar ou ser.
- Estás muito calado.
Estava a rezar tanto para que os minutos se prolongassem, preguiçosos, por dentro deste silêncio que preservávamos no meio do burburinho geral, como um bem precioso, como um segredo íntimo, juro-te que por momentos julguei atingir uma parcela desconhecida de felicidade, ou pelo menos um estado límpido sem merdas, sem porras, pensei por instantes, por minutos, estar bem, estar realmente bem num tempo e num espaço desconhecidos, pensei, juro-te, que te amava, mas vejo que amava em ti aquilo que quero desesperadamente quero amar em todas as pessoas, o serem bonitas quando as quero ao pé de mim, mas que de resto não me chateiem.»

Daqui a Nada, Rodrigo Guedes de Carvalho