terça-feira, agosto 30, 2005

Tão actual #2

«O Empório do Betão

Não é possível sairmos da actual crise sem procurarmos, gradualmente, adoptar um novo modelo de vida baseado nos princípios ecológicos, numa economia de face humana e na utilização racional dos recursos territoriais. O objectivo do novo modelo deverá ser o desenvolvimento social do povo português.

(...)

No entanto, esta política cultural, social e económica encontra sérios obstáculos à sua realização em muitos quadrantes da vida nacional. São empórios de muita força política e económica que vêem os seus interesses protegidos pelo status quo e entravam, por isso, o desenvolvimento do nosso país e a conquista dum futuro mais digno para todos os portugueses.

Um desses empórios é aquele a que chamamos o “Empório do Betão”, que comanda aspectos muito diversos de intervenção no território, sem objectivos claramente sociais, sem utilidade reconhecida e racionalmente indefensáveis.

Este “empório” abrange áreas importantes do sector imobiliário, do investimento a crédito, do projecto e da gestão. Surge, por todo o lado, dominando os aspectos mais importantes da vida nacional, condicionando a acção dos maiores partidos políticos, dos governos de muitas câmaras municipais e direcções gerais. Alguns exemplos:

EXPANSÃO URBANA

Em nome do progresso e da crise da habitação estão a cometer-se neste país graves crimes que não só atingem o património de todos nós como também comprometem o desenvolvimento social e económico e o próprio futuro dos portugueses. A expansão urbana faz-se irracionalmente ocupando de forma indiscriminada terras da melhor aptidão para a agricultura e zonas de que depende a estabilidade do regime hídrico. As cheias que vão sistematicamente devastando Setúbal, Cascais, Loures, Oeiras, Vila Franca de Xira, etc., resultam não só da falta de limpeza das ribeiras e do estado deplorável das suas margens, sem a vegetação que as deve proteger. Resultam, principalmente, da ocupação dos leitos de cheia e das áreas de cabeceira das linhas de água por edifícios e novos bairros que não cessam de surgir com a autorização das câmaras municipais e da Direcção Geral de Planeamento Urbanístico, e ainda, a construção de clandestinos.

As câmaras responsáveis bramam contra a falta de limpeza das ribeiras, porque depende da Direcção Geral dos Recursos Hídricos, mas continuam a aprovar urbanizações e a licenciar edifícios nas condições acima apontadas, sujeitando-se ao “Empório do Betão”. O Governo que só agora destinou verbas para a limpeza das ribeiras, não consegue intervir com eficácia no ordenamento do território, porque a isso se opõem as forças que dominam aquele empório.

(...)»

Excerto do texto O Empório do Betão do Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, Publicado no jornal A Capital em 20 de Novembro de 1984

E eu continuo a questionar-me que 21 anos depois, as coisas se mantenham exactamente iguais.

Se lesse este texto hoje, dificilmente iria duvidar da sua actualidade.